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Rolando Boldrin
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- Onévio Zabot - Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) - Membro da Academia Joinvilense de Letras
Da redação - Onévio Zabot - 13/11/2022 - 8h25min ROLANDO BOLDRIN
Roland Boldrin partiu. Perda sentida. Ganha a turma lá de cima. Por cá, certamente,
restam as pegadas no caminho de quem sempre soube construir pontes. Muitas pontes.
Proseador de fôlego largo, legou-nos pérolas preciosas. Causos e músicas inesquecíveis.
"Contar causos é comigo mesmo" - alto e bom som -, batia no peito.
Filho de São Joaquim da Barra, terra que tanto amava; fazia questão de reverenciá-la. Mas
incursionava nas cercanias - seu roçado: Guaíra, Barretos, Ipuã (Olhos d'Água) e Miguelópolis.
De menino, família numerosa - doze irmãos e irmãs -, cresceu ouvindo música: Torres e
Florêncio, Tonico e Tinoco, Alvarenga e Ranchinho - duplas caipiras, e Chico Viola, Jararaca e
Carmem Miranda - esta sua musa -, entre tantos outros. Jararaca era bom de causo. Isso tudo
no alto-falante da pracinha. Povo embolado. E no cineteatro as travessuras de mocinhos e
bandidos.
Com seu irmão inicia ponteados de viola e cantorias. Os causos, estes nunca faltaram por
ali. Personagens únicos, singulares. Boldrin, capcioso, ouvia e memoriava os trejeitos e, depois,
buzinava adiante. Oralidade à flor da pele; as "sacadas de caboclo" o encantam. A sabedoria
de gente simples, sua leitura predileta, mas ao vivo. Olho-no-olho. Roda de amigos. E, assim,
se descobre artista na escola do mundo. Com tanta autencidade - cheiro de terra e de macega
-, emergia ao ator, o cantor e o notável contador de causos. Cativante e carismático, atraía
plateias.
Torna-se nacional com o programa SOM Brasil na rede Globo - 1981/83. E na TV Cultura
continua a trajetória de sucesso. Plateia sempre presente. Vibrante. E convidados a dedo. Alto
astral. Também ponteava sua viola legando-nos alguns clássicos: Vide Vida Marvada; Eu, a
Viola e Deus; Sinto Vergonha de Mim e Crônica do Tempo, entre outras. E, recitando, então,
sacou do baú o melhor do gênero caipira e clássicos como: "Quando Eu Morrer", de Vinicius de
Moraes. Alma cabocla de Cornélio Pires, obrigatório, no entanto. E causos e Causos, como: Êita
porco bem tratado, Apetite de formigão, caipira não se aperta, Linguiça por metro, fumo por
hora, Mentiroso contrariado, e outros mais.
Boldrin bebeu água na fonte. Água pura. E Cornélio Pires - o pai da música caipira
brasileira -, inspirou-o, certamente. Cornélio Pires, pouco conhecido e reconhecido foi uns
grandes incentivadores do folclore caipira. Prospectava talentos no interior. Visitava-os.
Confabulava. Aprendia e divulgava. Isso numa época em que a música estrangeira adentrava
sobrepondo-se, caso do tango. Cornélio inverte a ordem dos fatores: em tempo resgata,
preserva e promove a musicalidade cabocla. Ao frequentar os grotões lá encontra um rico
tesouro adormecido. Isso na década de 1920. São Paulo explodia. Imigração em massa. Os
operários - a maioria -, provinha desses remotos redutos. Os barões do café abriam o ciclo
industrial. E o povo girava em torno do novo el dourado.
Na época havia um certo preconceito quanto à figura do caipira. Mal trajado. Maltrapilho
mesmo. Pés descalços. O Zeca Tatú de Monteiro Lobato - retrato fidedigno. O "amarelão"
corria solto. Vermezinho suga-sangue. Preguiça. Corpo cansado. Vontade de comer barro ou
roer carvão. Mazzaropi não perde a vazada e - no cinema -, retrata esse ciclo. Os paradoxos.
Tudo com uma boa dose de humor. Aliás, humor: vitamina de caboclo.
Ora, caipira trabalhar! Por essa não! Bem melhor uma boa pescaria. Caçar. Assim viviam lá
nos cafundós.
Na cidade, porém, o bicho pega. É outra toada. Mas como ninguém é de ferro havia os
folguedos, e aí aflorava a veia poética dos "filhos do êxodo". E a viola? A viola bem simboliza
isso: alívio para os "males da alma". Alguns clássicos rodavam nas rancharias e fundões,
incógnitos. Cornélio Pires, reúne esse acervo, grava e divulga. Publica livros: 22 ao todo.
Aliás, sua primeira produção custeou às suas expensas. A Columbia, gravadora de então
recusou o projeto. Contrariado, pergunta: quanto custa a gravação. Orçamento nada modesto,
sopesado pela má vontade do gestor, obviamente. Gravação indigesta, alegava. Cornélio não desiste. Vai à luta. Empresta dinheiro. Banca a parada. Cinco mil cópias, solicita de cara. Saco
de dinheiro vivo à mão. Não satisfeito o dono da gravadora provoca: - Nem tem vitrola pra rodar tudo isso, Cornélio. Disco à mão roda o interior paulista. Nem
dá tempo de respirar. Evaporou que "só álcool", linguagem cabocla. Ou por outra, vendia igual
água. Quem não tinha vitrola, comprava. Sucesso garantido. Rádios bombando. Grotões e
cidade tocando de ouvido. Algo os unia - elo comum: a música e os causos, encurtavam
distâncias. Moral da história: a música caipira se transformou num grande negócio. Alto
faturamento até os dias atuais. Mas - cá entre nós -, antes de tudo numa grande escola de
vida. Resgatou fatos e feitos do mundo rural. Revelou talentos às pencas. Quem não se lembra
de alguma dupla ou trio, e de alguma música. E de compositores notáveis como Zé Fortuna,
Ted Veira, Goiá, João Pacífico, Leo Canhoto, Joel Mendes e tantos outros. E, certamente as
emissoras de rádio de São Paulo e Rio de Janeiro - em ondas longas -, contribuíram
sobremaneira para difundi-la Brasil afora.
Quanto a Boldrin deu continuidade à escola clássica. Música de raiz. E bons causos.
Também publicou livros, entre os quais: Contando Causos; História de Contar o Brasil; e A
História de Rolando Boldrin SR. Brasil.
Entrevistas notáveis na TV cultura o imortalizam. Todas disponíveis no Youtube. Acervo
inesgotável.
Um fato curioso: o sonho de Boldrin: entrevistar o cantor missioneiros Noel Guarani.
Noel Guarani, no entanto - embora talentoso e original -, era conhecido por sua rebeldia e
irreverência. Recusa o convite de bate pronto. Motivo:
- Não dou entrevista pra Rede Globo.
Nestas alturas ao grande comunicador resta confabular-se com Cornélio Pires e tantos
outros artistas que partiram antes do combinado, assim fazia questão de afirmar, Boldrin,
nestas ocasiões.
Deve estar recitando pra turma lá do alto - Alma Cabocla -, de Cornélio Pires.
Ai, seu moço, eu só queria
pra minha felicidade,
um bão fandango todo dia
e um de pala de qualidade;
Porva, espingarda, cutia,
um facão fala a verdade,
e uma viola de harmonia
pra chora minha sôdade.
Um rancho na bera d'água
vara de anzó, pôca mágua,
pinga boa e bâo café,
fumo forte e de sobejo...
prá completa meu desejo,
cavalo bão... e muiê...
Joinville, 09 de novembro de 2022
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